Você vê o noticiário. Outro escândalo, outra planilha, outra menção a “contas na Suíça”. É fácil cair na vala comum e achar que dinheiro enviado para fora do país é sempre sujo. É uma meia-verdade. E meias-verdades costumam ser mais perigosas que mentiras completas.
A história que não te contam no jornal das oito é a do empresário que, depois de uma vida inteira construindo um negócio, olha para a instabilidade política e econômica do Brasil e simplesmente sente medo. Medo de um plano econômico mirabolante. Medo de ver o patrimônio derreter com a desvalorização do real. Medo de acordar um dia e as regras do jogo terem mudado. De novo.
Conversei com um advogado especializado em planejamento patrimonial. Um sujeito que já viu de tudo em mais de 20 anos de carreira. Ele me serviu um café e foi direto ao ponto.
“Esquece a lavagem de dinheiro por um minuto”, ele disse, gesticulando com a xícara. “Pensa na finalidade número um, a mais comum, a de gente honesta: é uma apólice de seguro. O sujeito tem seus imóveis aqui, sua empresa aqui. Mas uma parte do dinheiro dele, a reserva de segurança, ele quer em moeda forte, num lugar onde a caneta de um político não possa alcançá-lo. É… é simplesmente para dormir em paz.”
Isso tem nome: proteção patrimonial. É a busca por um porto seguro. E, sejamos honestos, quem pode culpar alguém por querer isso?
O cardápio do mundo e a busca por eficiência
Vamos ser práticos. Se você tem um dinheiro para investir no Brasil, suas opções são conhecidas. Renda fixa, ações na B3, fundos imobiliários. É um bom cardápio, mas é o cardápio local. Ter uma conta lá fora, em uma jurisdição como Estados Unidos ou Luxemburgo, é como trocar o restaurante do bairro pelo acesso a um festival gastronômico global.
Você pode comprar ações da Apple diretamente. Investir em um fundo de tecnologia asiático. Comprar títulos do tesouro americano, o ativo considerado o mais seguro do mundo. A finalidade, aqui, é a diversificação. É não apostar todas as ficas no sobe e desce da economia brasileira. É ter acesso a oportunidades que simplesmente não existem por aqui.
Aí entra outra palavra que causa calafrios: impostos.
Ninguém gosta de pagar imposto. E quem tem muito dinheiro, legalmente, busca formas de pagar menos. Não se trata de evasão, que é crime. Trata-se de elisão fiscal, o famoso planejamento tributário. Estruturas offshore, quando bem montadas, permitem que os rendimentos dos seus investimentos cresçam sem a mordida do leão a cada semestre, como acontece no Come-Cotas dos fundos brasileiros. O imposto será pago, sim. Mas só quando o dinheiro voltar para o Brasil, para a sua conta pessoal.
É uma linha tênue. Um consultor financeiro com quem falei descreveu como “eficiência”. “Por que antecipar um imposto que você só precisaria pagar no futuro? Esse dinheiro que não foi pago em imposto continua rendendo. É… é matemática, não mágica”, ele explicou.
É o pulo do gato. E é totalmente legal. Se é moral ou não, essa é outra discussão.
Herança sem dor de cabeça e o véu da privacidade
O dinheiro, no fim das contas, é pensado para o futuro. E no Brasil, o futuro de um patrimônio passa por um inventário. Um processo que pode ser caro, demorado e dolorosamente público. Para muitos, a conta offshore é também uma ferramenta de planejamento sucessório.
Ao colocar os recursos em uma estrutura como um trust ou uma fundação, a transferência para os herdeiros pode ser feita de forma quase automática, sem a burocracia e, dependendo do caso, com uma carga tributária sobre herança (ITCMD) muito menor. É sobre deixar um legado, não um problema para a família resolver.
E, claro, há a questão do sigilo.
A era do segredo bancário absoluto acabou, graças a acordos internacionais de troca de informação. A Receita Federal sabe, ou tem como saber, que você tem dinheiro lá fora. Mas isso não impede que uma conta offshore ofereça uma camada de privacidade contra a curiosidade local. Seus vizinhos, concorrentes ou um parente mal-intencionado não terão como saber o tamanho do seu patrimônio com uma simples pesquisa.
No frigir dos ovos, a finalidade de uma conta offshore é multifacetada. Para a maioria, é uma busca legítima por segurança, diversificação e eficiência. Para uma minoria, continua sendo o caminho para esconder o que não pode ser explicado. A ferramenta é a mesma. O que muda é a intenção de quem a empunha.
