Reflexões Sobre Legado: A Relevância do Planejamento Sucessório Offshore

Eu estava no Fórum, um lugar que conheço como a palma da minha mão. O ar é sempre o mesmo: uma mistura de poeira de papel antigo com um leve cheiro de desinfetante. Eu ouvia o som distante e constante do burburinho nos corredores, um eco de problemas e disputas. Na minha frente, dois irmãos, herdeiros de um cliente meu que havia falecido, mal se olhavam. Discutiam por causa de um apartamento. Uma briga feia, arrastada, que estava destruindo o que restava da família. Foi ali, sentindo a textura lisa e fria da mesa de audiências sob meus dedos, que uma pergunta me atingiu como um soco: e se fosse a minha família? E o meu patrimônio, incluindo a parte que eu já tinha no exterior? Foi quando o termo planejamento sucessório offshore deixou de ser um serviço que eu oferecia para se tornar uma obsessão pessoal.

Como advogado, meu erro inicial foi técnico. Eu tinha um testamento bem amarrado aqui no Brasil. Achava que, por uma questão de lógica jurídica, ele se aplicaria de forma simples aos meus bens lá fora. Que ingenuidade. Cada país é um universo. As leis de herança da Suíça não são as do Panamá, que não são as dos Estados Unidos. Descobri que, na falta de um planejamento sucessório offshore adequado, meus filhos poderiam se ver em um pesadelo burocrático, precisando contratar advogados em cada país, lidando com inventários internacionais caríssimos e, pior de tudo, talvez vendo o patrimônio ser tributado duas, três vezes. A ideia de deixar um legado de problemas em vez de segurança era aterrorizante.

A Conversa Difícil e a Estruturação

Tocar nesse assunto em casa foi o passo mais delicado. Falar sobre a própria morte nunca é um papo pra se ter no café da manhã. Numa noite, depois que as crianças dormiram, chamei minha esposa. A luz da sala estava baixa, criando sombras longas. Peguei na mão dela e disse: “Precisamos conversar sobre o futuro, o nosso e o deles, e isso inclui o que acontece se um dia eu não estiver mais aqui”. Foi uma conversa longa, difícil, mas essencial. Ela entendeu que o planejamento sucessório offshore não era um mau presságio, mas o maior ato de cuidado que eu poderia ter com eles. Era sobre garantir que o fruto do nosso trabalho chegasse a eles da forma mais suave e eficiente possível. Contratar a consultoria especializada para desenhar essa estrutura foi um investimento alto, o equivalente a um carro popular zero, mas a paz que isso comprou é imensurável.

A Estrutura Como Ato de Cuidado

Criamos uma estrutura (uma trust ou fundação, dependendo do caso) que funciona como um cofre. As regras são claras, os beneficiários designados, o administrador definido. Não há espaço para briga, para interpretação dúbia. Não se trata de “driblar” a lei brasileira, muito pelo contrário. Trata-se de usar as ferramentas legais disponíveis globalmente para organizar a sucessão de forma inteligente e integrada com a legislação do nosso país. O objetivo do planejamento sucessório offshore é, em essência, remover o Estado e a discórdia da equação da sua herança, deixando apenas a sua vontade e o bem-estar dos seus herdeiros.

O Legado da Tranquilidade

Hoje, quando volto do Fórum e ouço o eco daquelas disputas familiares, eu sinto uma pontada de tristeza por eles, mas também uma imensa gratidão por ter tido a clareza de agir. O documento final da estrutura está guardado em um cofre. O papel é grosso, a impressão é impecável. Mas o que ele representa é muito mais. É a certeza de que, no momento mais difícil para minha família, eles não terão que se preocupar com inventários, advogados e brigas. Terão apenas que lidar com a saudade. E esse, para mim, é o único legado que importa.